quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

"Como você se imagina em 10 anos, Claudio?"

Cláudio é um rapaz sério, tranquilo, responsável. Aparenta ter mais idade do que realmente tem, não pela aparência, mas pelo seu modo de se comportar. Claudio estuda economia em uma boa faculdade e faz parte do centro acadêmico da mesma. Está na busca de uma vaga de estágio, pois já aprendeu tudo o que deveria aprender onde está atualmente. Claudio é de uma família nem pobre nem rica, vive bem, nunca passou necessidade, mas não pode esbanjar gastos, e nem sente necessidade disso. Está no ônibus, chovendo, com aquele bafo de verão e de gente na atmosfera. Está de pé porque não conseguiu sentar, e na realidade sempre prefere ficar em pé, diz que é o momento de fazer exercícios de força abdominal e bíceps. É a sua piada pronta.

Desce do ponto de ônibus e entra no prédio à sua frente, deu a sorte da entrevista ser em um local perto! A chuva não o fez ficar de mau-humor. Ele está pensativo, quem o vê, pensa que está bravo. Dá seu nome e mostra seu RG na recepção, entra no elevador com um crachá e sobe até o 10o andar. É recebido pela outra recepcionista e senta-se no banco para esperar a sua vez. Olha as revistas, mas não sente interesse por nenhuma. Pega um livro em sua mochila, um livro de poesias "Quem disse que pra gostar de economia não se pode gostar de arte?!" era uma das frases mais repetidas por ele na faculdade.

Claudio gostava muito de poesia, e sempre quando lia uma, sentia-se extremamente pronto para tudo! Qualquer pergunta, qualquer situação desconfortável, tudo! O que viesse era destruído pela capacidade de Claudio se concentrar ao ler um poema. Ouve seu nome e entra na sala. Ele já havia feito dinâmica de grupo, então dessa vez era só ele e o contratante. Confessa que prefere essa situação.

O contratante o recebe com um sorriso no rosto, oferece café, água, bolachas... Claudio sempre fica desconfiado quando a esmola é grande! Aceita só um copo d'água. Começa o batalhão de perguntas: idade, ano da faculdade, quando termina, se gosta do curso, porque escolheu  curso, como conheceu a empresa, quais os objetivos dele naquela empresa, e por fim: como ele se vê em 10 anos.

CLAUDIO
Como? Como assim?

OSMAR
Simples! Você tem 20 anos. Com 30, como você se vê com 30 anos? Casado, morando sozinho, com MBA, dando aula, trabalhando na nossa empresa...

Claudio não esperava esse tipo de pergunta. Sempre achou que a resposta não valia de nada, porque a gente muda conforme o tempo! Até ano passado ele queria trabalhar em empresa, mas com a experiência deste ano ele quer ser professor! Ele já havia decorado, estudado e até acreditava nas respostas que podia dar se o prazo fosse de 1 ou 2 anos! Mas 10 anos?! É tempo demais!!

CLAUDIO
Bom... eu espero estar vivo antes de tudo!

OSMAR
Hahahaha! Boa! Mas e no lado profissional? O que você deseja pra sua vida?

CLAUDIO
Eu só desejo coisas boas, mas isso não depende muito de mim...

OSMAR
Mas e do lado profissional?

CLAUDIO
Olha... até ano passado eu gostaria de trabalhar em empresa, só em empresa! Mas agora eu quero ser professor universitário, perquisador...

OSMAR
Hum...

CLAUDIO
Mas isso é daqui muito tempo! O que eu quero agora é aprender na prática! Quero ser um bom profissional pra depois poder dar aula e virar um bom pesquisador, escrever artigos...

OSMAR
Então você não pretende trabalhar dentro de empresas depois de formado?

CLAUDIO
Não! Quer dizer, claro que pretendo! Termino minha faculdade no próximo ano, até os 30 anos preciso aprender a prática! Quero trabalhar em empresa, trabalhar sempre em empresa, mas o meu foco é dar aula agora.

OSMAR
Olha rapaz, nós queremos um jovem capacitado e com vontade de aprender! Mas queremos que ele também queira estar conosco no seu futuro! É como se estivéssemos criando um filho, entende!

CLAUDIO
Eu entendo! Mas é o que eu estou falando, vocês me terão sempre! Mas a sua pergunta foi daqui 10 anos! Em 10 anos eu posso ter mudado de ideia e querer ser um milionário, o funcionário do mês, o dono de uma empresa...

OSMAR
Então quer dizer que você muda constantemente de ideias...

CLAUDIO
E você não? Nunca ouviu aquela música do Raul Seixas? Acredito que principalmente na minha idade é quando a gente mais muda de ideias! Eu acho isso positivo.

OSMAR
Não vou me lembrar do que eu pensava quando tinha a sua idade, provavelmente era metido a comunista e hoje sou sócio disso aqui.

CLAUDIO
Tá vendo?

OSMAR
Olha rapaz, entendo sua confusão mental, que as suas ideias modificam, que você pode querer outra coisa pra sua vida.... mas o departamento do RH pediu que eu escreve algo de concreto para essa pergunta. Vamos fingir que eu não te perguntei, comecemos do zero. Claudio, como você se vê daqui há 10 anos?

Claudio respirou fundo e pensou que de nada ia adiantar um pouco de poesia e de filosofia pra essa situação. Escolheu responder o que Osmar gostaria de ouvir, o que provavelmente ele ouviu de todos os outros candidatos e até mesmo dos funcionários.

CLAUDIO
Eu espero ter uma carreira sólida, quero crescer dentro da empresa, buscar o conhecimento e agregar tudo o que aprendi na faculdade e nos meus antigos estágios.

OSMAR
Obrigado, Claudio. Estou satisfeito. Acredito que dentro de uma semana teremos a resposta. Boa sorte!

Claudio saiu da sala confuso, sabia que era o que Osmar queria ouvir, mas não era a sua resposta mais sincera. " Mas daqui 10 anos?! É muito tempo!!". Claudio pegou seu ônibus de volta e começou a desenhar um cronograma de sua vida. "Mas e se ele mudar, vou ter que começar do zero?!".

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Do ponto em que conheci o outro... e vice versa.

Garcin – (Não cessou de bater na porta): Quero sofrer de verdade! Prefiro cem dentadas, prefiro a chibata a esse sofrimento cerebral, esse fantasma de sofrimento, que roça, que acaricia, e que nunca dói o bastante. 

E este foi o nosso tema dos meses de Outubro e Novembro "Eu e o Outro". Qual a relação que temos? De que isso importa?... Pra ser sincera, antes de estudar um pouco sobre isso não achava que era lá "grandes coisas", foi só eu entender do que exatamente se tratava a frase do Jean Paul Sartre "O inferno são os outros" que eu entendi. A relação entre duas pessoas é realmente difícil; e não digo aqui somente a relação amorosa ou amigável, mas principalmente aquela do primeiro contato. Essa sim é a mais difícil! 

Bom, falemos da montagem: diríamos que foram 2 meses bem complicados: novos empregos, ENEM, espera... irônico dizer que tivemos de esperar logo depois em que o tema foi "Tempo". Esperamos! Dois meses para fazer a aula aberta, um mês para sabermos exatamente o que fazer, quase dois meses para sabermos COMO fazer. E nada foi à toa! Tudo teve seu significado: paciência na espera, certeza no significado, confiança nos outros. Quer mais que isso para fazer o tema "Eu e o Outro" ter real significado? 

Escolhemos fazer uma releitura da peça "Entre Quatro Paredes" por ser justamente a peça que mais cita a dor das relações humanas (pelo menos no nosso entendimento). Trabalhamos nela a relação do olhar, do toque e da arte. Metalinguagem. O teatro falando do próprio teatro, da sua relação com a vida. "A arte deve imitar a vida", "Discordo". E assim terminamos a peça. 


O que mais me chamou a atenção deste tema foi o fato de perceber que não existe ninguém autêntico neste mundo. Copiamos estilos, "arquétipos" que achamos convenientes para nós. Somos sim diferentes, ninguém tem exatamente a mesma opinião ou age da mesma maneira que outro, mas... temos a opinião que nos convém de acordo com o que acreditamos, e alguém "borda" esta opinião. 

Também comecei a me perdoar por saber que existem várias "Beatrizes": aquela que é mais quieta, a que é mais avoada, a que é engraçada, a que é brava... todas elas fazem parte de uma Beatriz que achou adequado ser daquele jeito em determinado lugar com determinadas pessoas. Por quê? Porque a relação dela com aquelas pessoas "definiu" que ela seria daquele jeito. 

"Inês– Agora vai pagar caro. Você é um covarde, Garcin, porque eu quero que você seja um covarde. Eu quero, compreende? Eu quero! No entanto, veja que fraquinha eu sou: um sopro. Sou apenas o olhar que está vendo você."  



 Agora... quem defini isto? O olhar que as pessoas tiveram sobre mim e eu "aceitei", ou o olhar que eu tive das pessoas sobre mim? Acredito que a relação (outra vez) dos dois. Pelo que percebo existe um acordo invisível entre as pessoas logo quando se encontram pela primeira vez. Cada uma ali vai fazer um papel perante a outra, e disso surge a relação. O meu olhar muda o olhar do outro e vice versa. E o outro se molda - e me molda- de acordo com esse olhar. Confuso pra caramba...Como as relações humanas!  

Estelle – Está bem, mesmo? Como é desagradável não poder julgar-me por mim mesma. 

O tal de Papel Social também define como as pessoas agirão em determinado ambiente: cada um tem o seu em cada lugar, e este "pacto" é invisível e moldado de acordo com as relações determinadas. Vai você tentar mudar seu papel social em um meio! Tudo vira de ponta cabeça, é como uma máquina: um muda, todos mudam! 

Garcin – É inútil. Aqui, as lágrimas não correm. Inês, eles emaranharam todo o fio. Se você fizer o menor gesto, se erguer as mãos para se abanar, Estelle e eu sentiremos o abalo. Nenhum de nós pode se salvar sozinho. Temos de nos perder juntos, ou nos desembaraçar juntos. Escolha. 


Nossos convidados foram especialíssimos: Deise de Amorim Paz, psiquiatra psicodramatista; Adriana Dellagiustina, psicóloga psicodramatista! Sem contar com o sempre presente William Vasconcelos, músico e filósofo. 

Psicodrama é a relação do teatro com a psicologia. Usar a linguagem artística como terapia, grupal ou individual. Tudo aquilo que você faz em cena tem um significado para você "O que você está sentindo ao fazer isso?", "o que você está pensando neste momento?", são perguntas que as psicodramatistas faziam sempre! Porque a arte pode ser mais reveladora do que nós pensamos.

Fazer uma aula de psicodrama foi como voltar a fazer teatro, olhar para aqueles que chamo de alunos como aluna também.;minha relação com eles mudou naquele momento! 

É muito bom perceber que o teatro é uma ferramenta de descoberta e de libertação. Tem coisas que só a arte tem o poder de revelar, nem só palavras ou gestos, mas o conjunto deles, como arte! Saí da nossa relação feliz por ver que dá certo. A relação: roda de conversas/teatro é poderosa! E você, quando irá se relacionar conosco? 



terça-feira, 5 de novembro de 2013

A Hora de Acordar

E de repente Júlia acordou. De um sono leve, levantou porque não havia mais razão de continuar dormindo. Foi descalça até o banheiro, tomou um banho para despertar, e quando se olhou no espelho não se reconheceu. Apagou e ascendeu as luzes. Continuou vendo aquele pessoa estranha no reflexo. Saiu do banheiro e voltou. De novo?! Apagou as luzes e saiu do banheiro. Nada. O problema deve ser do espelho... foi para o quarto. No quarto foi pior. Viu que não só o seu rosto tinha mudado, como seu corpo também havia. Entrou em desespero e saiu correndo, de pijamas mesmo! 

Na rua, tudo estava diferente. "Mas o que está acontecendo?! As coisas não eram assim!". Além dela, o mundo havia mudado. As coisas não eram mais vistas como antes. A rua estava mais silenciosa e cinza. As pessoas estavam com um rosto mais cansado. Ficou com medo. Resolveu voltar para casa. 

Olhando ao seu redor reconhecia todas as coisas: a mesa, a cozinha, seu quarto, seu próprio banheiro! Mas tinha alguma coisa de diferente... será que precisava usar óculos? Júlia ainda tinha algum tempo antes de ir trabalhar e sentou em seu sofá.

Passadas duas horas lembrando do que havia acontecido, decidiu tomar uma decisão: "Muito perigoso sair de casa com as coisas assim. Vou esperar que tudo volte ao normal, ou que tudo se esclareça.". Júlia não era nem muito nova e nem muito velha, cursou a faculdade, tinha um emprego, vida normal! Ligou para seu trabalho e disse que tinha alguns problemas para resolver, não batia cartão, então não houve problema. 

Como ninguém chegava, resolveu olhar pela janela para ver o mundo. Ligou a TV, o rádio, mas nada lhe respondia o que ela mais queria: "O que aconteceu com o mundo?!". Desistiu de novo. Ensaiou ler um livro. Na verdade ela só folheava as páginas, porque lendo ela não estava. Então, em um ato de coragem, colocou sua roupa e foi sair para a rua. Enquanto caminhava, percebia que as coisas estavam do jeito que sempre estiveram: seu bairro, os ônibus, a cidade, as pessoas... ela percebeu que o que havia mudado era a forma que ela enxergava tudo ao seu redor. Quando percebeu isso, sentiu uma dor, uma angústia enorme e teve vontade de chorar. Queria contar para alguém, desabafar, perguntar se era assim mesmo, mas com quem ela iria falar? Seus pais estavam no trabalho, ela era filha única, não tinha namorado, suas amigas, bom... tinha medo de ser exposta ao ridículo. Resolveu tentar entender por si só o que estava acontecendo e o que fazer com tanta angústia. 

Andando pela cidade algumas coisas a agradavam e outras não. Percebeu coisas que nunca tinha visto e simpatizou por outras que antes ela detestava. Júlia entendeu. A angústia tinha passado, bem pouco, mas já estava mais tranquila ao saber do que se tratava. 

Voltou para casa e encontrou com sua avó. Esta, que sempre parecia distante desta vez pareceu mais próxima do que nunca: abriu um sorriso e disse "É assim mesmo, com o tempo vai melhorando, mas não é o fim do mundo. Seja bem-vinda!". Júlia não sabia dizer se estava feliz ou se estava triste. Preocupada, isso sim ela estava! "Porque precisa ser assim?". Júlia voltou a dormir e não sonhou, foi um dos sonos mais pesados que teve, quase não acorda! "E se eu não acordar nunca?!". Levantou em um pulo. Foi ao banheiro, tomou seu banho e se viu no espelho. Dessa vez não se assustou, até gostou do que viu; fechou os olhos e fez uma promessa. Se arrumou e saiu para o trabalho, mas não esqueceu da sensação anterior, e nem da sua promessa!

Percebeu que essas coisas eram assim mesmo: assustam, mas passam. Ia doer, e não ia ser só uma vez, várias vezes! Nossa, quanta dor Júlia teve! E em todas as dores e angústias que Júlia sentiu, ela se lembrava da promessa que havia feito naquela época "Nunca perca o brilho nos olhos". Júlia dormiu, sonhou e acordou. Foi até o banheiro, tomou sua ducha e olhou no espelho. Seus olhos ainda brilhavam!  


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

CARTA DE INTERESSE

               Desde pequena fui ligada ao teatro. Mas que criança não é? As nossas próprias brincadeiras e nossa forma de enxergar o mundo penso eu que são dignas de um ator quarentão. De qualquer forma, cresci com o sonho de fazer teatro, de ser atriz.
                Quando tinha 13 anos, entrei no Teatro Escola Macunaíma para fazer um espetáculo infantil pela primeira vez. Nunca vou esquecer aquela sensação de estar no palco, colocar o figurino, aguardar o público. Dizem que isso vicia, e eu acredito!
                Com 15 anos comecei a fazer o curso profissionalizante de atores também do Teatro Escola Macunaíma, e lá já tinha quase certeza de que era isso o que eu queria para a minha vida. Porém, na hora de prestar vestibular, escutei meus pais e prestei Rádio e TV na Faculdade Cásper Líbero para ter mais uma opção profissional.
                Mal sabia eu que no meio da faculdade me formaria como atriz e começaria a dar aulas de teatro para crianças. E sabia menos ainda que o fato de dar aulas me faria mudar 100% meus planos e sonhos: antes pensava em ser preparadora de elenco de cinema e televisão. Hoje, penso em trabalhar com produção cultural e educacional, levando para aqueles que recebem tão pouco o muito da nossa cultura. Não sei qual dos dois sonhos é o mais difícil.
                Baseado nessa vontade, criei um projeto juntamente com a Cia de Teatro Olhares (onde também sou atriz) usando a linguagem do teatro para conscientizar adolescentes e jovens sobre as questões universais do ser humano e do homem contemporâneo. Dou aulas todos os sábados em um espaço cedido pela ONG de Edu comunicação Viração, e tenho como alunos os próprios alunos da ONG e alguns outros de fora.
                Saber que uma arte pode mudar a vida de alguém e pode alterar a realidade é a minha linguagem. Quero viver cada vez mais de arte e de cultura, espalhando ainda mais essa nossa paixão que só quem sente entende.
              Tento ao máximo cuidar do nosso teatro com todo o respeito, como um santuário, e tratarei do mesmo modo tudo aquilo o que aprender na vida e nos palcos. O teatro, acredito eu, é a arte mais pura e mais perigosa que o homem inventou, não podemos maltratá-la e desrespeitá-la.


               Fico aqui no Brasil na vontade e na esperança de cada dia mais termos orgulho de sermos atores e agentes culturais. Tenho a esperança de que um dia irão honrar o nosso modo de fazer arte e entender nossa maneira de ver a vida. Somos muitos e com diferentes visões, "Olhares". E tenho fé em Deus, nos Orixás, em Maomé, Alá, na natureza que um dia nada será tão difícil na arte.

           No momento estou como a maioria de nós: em busca de parcerias de trabalho, no corre para concretizar os projetos e na vontade de fazer acontecer. 


Trechos da Carta de Interesse para a Oficina de Eugênio Barba, que irá acontecer nos dias 1 a 6 de novembro no Sesc Belenzinho. http://girasp.com.br/2013/10/oficina-com-odin-teatret/ 

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A nossa "Exótica" Cultura Brasileira

       Porque quando alguma mulher branca diz que prefere homens negros ela já diz com um sorriso malicioso no rosto, e já sabe que ouvirá risadas, e piadas como "Safadinha!", "Não é boba nem nada!"? Porque quando vamos para um centro de Umbanda ou Candomblé falamos para algumas pessoas como se fôssemos desbravadores? Porque quando dizemos que alguém é da umbanda ou do candomblé, falamos como se essa pessoa fosse de alguma seita secreta ou bruxaria? Coloco isso no coletivo porque eu hoje percebo que também faço parte da enorme lista dos europeizados brasileiros. Acabei de inventar este termo. Será?

Tambor de Crioula (foto tirada do site do Ministério da Cultura)
       Essa semana participei de uma oficina de Tambor de Crioula no Teatro Cit-Ecum, todos os dias, das 10h às 13h. Tambor de Crioula é uma expressão afro-brasileira, que mistura dança, percussão e cantos populares que reverenciam São Benedito. Para ser realizada, não precisa de data ou lugar específico. O grupo que me ensinou um pouco dessa cultura popular foi o do finado Mestre Felipe, uma das mais importantes figuras da cultura popular brasileira e maranhense.

       Mas porque raios uma oficina de cultura brasileira me fez pensar essas coisas? Simples: moro em uma metrópole, no sudeste do Brasil, que prefere a cultura estrangeira a qualquer outra coisa. Eu mesma, que sempre me considerei uma pessoa brasileira (gosto de samba, MPB, poxa!) me peguei mais pra lá do que pra cá. Explico: sou atriz. O teatro que aprendemos é o teatro europeu, tanto a técnica base que vem da Rússia, como a forma de fazer. O que eu, como brasileira, faço para aproximar a minha linguagem artística da linguagem do meu povo? Absolutamente nada.

       Pois é. Estou me dando um soco da cara. Gostar de samba, MPB, axé, capoeira, de Brasil é fácil! Tudo isso, essa nossa música, a dança, o nosso modo de ser (feliz, simpático, mulher bunduda, gostosa, sexy)... tudo isso foi comprado - e reconhecido- pelo resto do mundo, como já disse Carmem Miranda "Disseram que eu voltei americanizada". Tudo o que é reconhecido, taxado, lacrado como brasileiro lá fora, aqui passa a ser visto, reconhecido e quase um "orgulho nacional". Quase todo mundo gosta de samba, e sabe alguma dança de Axé, todos sabem mais ou menos o que é capoeira, todos já ouviram pelo menos uma vez as MPBs das antigas. Agora, aquilo que ainda não foi proclamado lá fora não existe no Brasil. É o caso do Tambor de Crioula. Sim, é patrimônio imaterial brasileiro. Já é um passo! Mas ouvir o produtor do grupo dizer que no Maranhão os prefeitos preferem chamar os cantores de Axé da Bahia nas festas populares maranhenses significa que o brasileiro não dá a menor importância para o que fabrica.

        Mais exemplos! Aqui em São Paulo, quantos conhecem alguma coisa da cultura popular do interior paulista, ou de qualquer outra parte do Brasil? Os que respondem afirmativamente provavelmente são os "artistas", "bicho-grilo" (pessoas consideradas exóticas), que procuraram, caçaram e encontraram em algum canto de São Paulo alguma coisa brasileira. E eu, honestamente e com muita vergonha, me coloco na parte que responde negativamente. Conheço o projeto Revelando São Paulo, do Abaçaí Cultura e Arte. Espera... conheço não, já ouvi falar.

        É muito triste saber que eu, uma pessoa que fala aos quatro cantos "sou atriz", "quero trabalhar com cultura", desconheço tanta coisa da nossa cultura. Sou vítima - ou não - da educação européia, da tentativa de esbranquiçar o Brasil que vem desde o início da nossa história. Eu, que desfilo no carnaval, que ouço muita música brasileira, eu mesma, não conheço o Brasil. Porque o Brasil tá escondido em várias partes do interior, o Brasil tá escondido nas casas das pessoas mais velhas, nas casas de cultura popular, nas festas de santo mais tradicionais e menos marketeiras
. E foi escondido por nós, europeus, que queriam de toda a forma transformar o Brasil em um Estados Unidos tropical, afinal, é o melhor país para se viver, não é mesmo?

        Ainda temos muito o que aprender com aqueles que defendem a nossa cultura popular, que vem de boca a boca, nas rodas de conversa, nas rodas de batuque, de samba, que vem daqueles que não damos o menor valor, porque nós do sudeste praticamente não moramos no Brasil, estamos aqui só de passagem, e ignoramos qualquer ruído que não foi reconhecido lá fora. É Brasil....

terça-feira, 20 de agosto de 2013

A ESPERA DO TEMPO PASSAR

Eu acredito em destino. Mas se eu acredito em destino, porque eu não sossego a ansiedade? Porque eu sou naturalmente ansiosa? Mas se eu sou naturalmente ansiosa, é porque talvez eu não acredite tanto assim em destino... Ah! Como minha cabeça explode! 

O mês de agosto sempre foi um mês estranho pra muita gente. Estranho, né? Porque será? Impressionante como este mês está estranho pra mim. São muitas esperas, muitas frases do tipo "eu sei que quando chegar a hora, farei a melhor escolha", "vamos esperar pra ver no que dá", "calma que coisas melhores virão". Sempre frases destinadas ao futuro! Sempre! Como se isso fosse acalmar quem fala e quem ouve. Incrível que parece desesperar mais... 

Irônico dizer que este mês o tema do projeto "Novos Olhares" é "Tempo". Tempo é uma coisa que todo mundo sabe o que é, mas ninguém sabe realmente explicar (como já dizia Santo Agostinho). O "tempo é o melhor remédio". Que inferno de afirmação! O tempo às vezes pode durar milênios, segundos, tudo depende do momento que está sendo vivido. 

Afinal, porque a gente sempre quer viver o dia seguinte? Pra nos assegurarmos que as nossas escolhas estão certas? Que viveremos o amanhã? Porque essa necessidade que o tempo passe depressa? Tenho a esperança que esse sentimento seja por conta da minha idade. Jovem, quer abraçar o mundo, acha que não terá tempo de realizar nada... 

A necessidade de sentir o tempo passar, ver que as coisas mudaram (para pior e para melhor)... engraçado que o tempo está sempre atrelado a evolução, nunca ao fracasso. É melhor pensar assim. Realmente acho que o passar dos dias (não o tempo, mas é o tempo) nos ajuda a resolver nossas questões. Mas quem as vive não quer pensar que daqui uns dias estará melhor, quer resolver o problema agora! Dane-se o tempo! Meu tempo é hoje. Mentira. Meu tempo nunca foi hoje, nunca consegui essa proeza. Meu tempo sempre foi o amanhã, o daqui 10 anos, 8, 6... e com o passar do tempo, o próprio tempo vai diminuindo. 

No projeto faremos uma cena de "O Jardim das Cerejeiras". Ótima lembrança de Rodrigo Inamos. Justo Anton Tchekov, que parece que nas suas peças o tempo não passa. E nesse caso o tempo passa, para a história, e não para  as pessoas. O tempo vem como um rodo, que vai passando e empurrando, deixando as pessoas contra a parede conforme ele passa. O tempo exige pressa, decisão! Uma peça ótima para esse momento em que tudo aguarda para acontecer. Aguarda o que? O tempo. 

A falta de perspectiva, a falta de notícias, a falta de certezas, a falta de coragem... tudo isso faz o tempo parecer uma eternidade! Parece que estamos adormecidos esperando a hora certa para acordar, levantar e começar a fazer algumas coisas. O tempo está muito atrelado ao medo, que por sua vez está muito atrelado à ansiedade, que por sua vez está atrelada à insegurança, que por sua vez está atrelada ao futuro, que está atrelado ao tempo. 

Um dia conseguiremos, verdadeiramente, saber esperar. Saber ficar muito tempo em silêncio ao lado de muitas pessoas... isso um dia não vai mais nos incomodar. Esperar não vai significar inércia, mas sim sabedoria. Que assim seja, amém!


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

IMPROVISAR A FELICIDADE OU SER FELIZ IMPROVISANDO?




   Se quiser se juntar à nós, é só chegar na Rua Augusta, 1239 e interfonar na Viração. Estamos abertos, principalmente para novas opiniões!    

Adriane Tunes e William Vasconcelos
    Há 2 meses tenho trabalhado, juntamente com a Cia de Teatro Olhares, no projeto "Novos Olhares", que pretende por meio do teatro trazer novas visões do mundo para as pessoas. A ideia é simples: trabalhar a cada mês um tema diferente com uma linguagem teatral diferente para, na aula aberta (última aula do mês), um convidado externo ligado às artes (qualquer arte) assistir as cenas preparadas e entrar na nossa discussão colocando, é claro, a maneira de como a arte dele pode ver o mesmo tema. Ou seja, diversos modos de olhar para um só ponto.

Alguns alunos e convidados.
    No primeiro mês trabalhamos com improviso e convidei meu amigo e ator Betto Pita para a aula aberta. Porque improviso? Levando em conta que a maioria do grupo estava conhecendo o universo teatral pela primeira vez, achei justo que eles entendessem que a graça - e a magia- do teatro é simplesmente acreditar no que você está fazendo, perder o senso do ridículo que muitas vezes nos coloca a sociedade, e confiar no grupo. Dizem que fazer teatro é se jogar de um precipício sem absolutamente nada em baixo. E é verdade. Principalmente no improviso.

Rodrigo Inamos, da Cia de Teatro Olhares
e Convidado
   A aula aberta foi uma delícia! Os alunos perguntaram, interessados, sobre as diferenças de fazer teatro decorando um texto, e de improvisar uma cena. É muito bom ver que os alunos se interessaram pelo tema e pelo convidado, fazendo perguntas que nós atores sempre nos fazemos: "Como conseguir a verdade na cena?". Ai ai... quem é professor sabe o quanto isso é bom!

   Neste mês que se passou, o nosso tema foi mais filosófico: "Felicidade", com cenas a partir de partituras corporais. Está claro que felicidade é um tema recorrente em artigos, facebooks, conversas de botequim... Cada vez mais o homem se pergunta se ele conseguirá um dia descobrir o que é a felicidade.

Alunas e convidada.
   Pedimos para na primeira aula trazerem objetos que respondessem a pergunta "O que é Felicidade", e vimos de tudo: meia, foto, música, DVD, texto... cada um trouxe o que para si significava. E a partir disso, fizeram cenas com partituras corporais e descobriram que o sentido de uma cena pode ser construída DEPOIS da própria cena. É saber que os alunos percebem e gostam das suas próprias descobertas, acredito que o conhecimento começa aí.

   Na aula aberta, chamei um casal de convidados: Adriane Tunes, atriz, pedagoga e psicóloga e Willian Vasconcelos, pensador (não se considera um filósofo mesmo tendo feito filosofia) e músico. Ambos com uma cartela cheia de opiniões, livros e músicas que tratavam sobre o tema.

   Muito bom perceber que existe gente da minha geração (18 a 30 anos) a fim de discutir e filosofar um pouco sobre a vida. Todos ficaram atentos às questões colocadas. Silenciosos. E por incrível que pareça, por 1h30min! Aquela história de que a minha geração não se interessa por nada me pareceu mentira naquela hora.

   Sobre o tema felicidade, fica claro que o homem não consegue - e não deve- definir. E que a cada minuto tentando saber o que é, o que significa, quer dizer 1 minuto angustiante a mais da não resposta. Confesso que fiquei aliviada ao saber que ninguém, nem o Dalai Lama conseguem definir. Talvez pare um pouco para pensar e sentir pequenos momentos de alegria, assim a tranquilidade me deixaria mais feliz. O importante é saber e perceber que cada um tem um motivo e momentos de alegrias extremas, e que não é ruim sentir tristeza. Para Pascal (estou correta, Willian?) o homem é um ser de tédio. Por mais triste que seja concordar com isso, eu concordo. Mas triste porque? Não estamos todos a todo momento tentando procurar algo que nos faça sentido? E quando encontramos este "algo", logo tratamos de encontrar outro "algo" que nos complemente porque o outro "algo" já nos cansou? Acredito que essas sensações de "quero mais" (e não cito coisas materiais aqui) fez o homem descobrir grandes coisas. Mas existem coisas além do próprio homem que seria chato demais se ele soubesse a resposta. Afinal, a graça e a dor da vida são as dúvidas!

   Este mês teremos o tema "Tempo" na linguagem do naturalismo. Acho que em uma cidade como São Paulo, onde 24 horas não são o suficiente, responder o que seria esse tal de tempo, ou ao menos tentar, seja útil e confortador, como foi a discussão sobre felicidade.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Muita Hora nessa Calma!

O Analfabeto Político
"O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais." Bertold Brecht 

Amo Brecht, ele sempre me disse as coisas certas na hora certa. 

Estamos passando por um momento meio atordoado da vida política brasileira: muitos vômitos insatisfeitos, muita raiva guardada, muito motivo e muitas ideias. Sem canalização. Ontem, assisti ao "Roda Viva" da TV Cultura, e os representantes do Movimento Passe Livre insistiram na ideia de que as pessoas estavam indo às ruas pedindo a revogação do aumento da passagem. Eles sabem que não é isso. Ontem, estava contra eles, afirmando que perderam a rédea (o que também não é mentira), e que se recusam a ver que as pessoas estão simplesmente revoltadas com a vida que levam. Segundo meu pai, Pedro Gimene, eles só não querem perder o protagonismo. Não os culpo. 

Agora, meu facebook antes bombardeado com coisas engraçadas, alguns protestos políticos, samba, e etc, está monotemático: No protesto de hoje, o que iremos falar? 

Não que isso seja uma coisa ruim, não acho! Mas, querendo ou não, tira o foco do motivo pelo qual o MPL foi criado e dá margens às mil e uma facetas da nossa querida classe média burguesa e dos nossos amados reacionários brasileiros, desesperados em meter o pobre na cadeia e fazer do nordeste um lugar que não pertença mais ao Brasil (vomitei). 

Como disse meu amado e idolatrado Bertold Brecht (está na hora dos neo-revolucionários saberem de quem se trata), o analfabeto político é a pior ignorância que alguém pode querer para si, e vejo que estamos passando por essa prova: o excesso de jovens, de pessoas descontentes é lindo de ver, muito mesmo! Mas dá medo de ouvir alguns protestos. Que eu me lembre, na primeira metade da década de 1960, nosso querido Jango defendia as reformas de base, os trabalhadores, jovens e partidos políticos de esquerda o apoiaram, enquanto a nossa famosa classe média juntamente com o seu grande modelo, a elite, morria de medo que isso se tornasse realidade, os queridos udenistas. Fica claro pra todo mundo o que aconteceu em 1964, não é? 

As pessoas, com raiva dos pobres, raiva dos nordestinos, raiva dos pretos, do samba, das oportunidades iguais, se inflavam em discursos que o próprio Hitler aplaudiria de pé, "mas longe de mim ser preconceituoso!". O que vejo hoje não é nada muito diferente: estudantes que não tiveram base política nenhuma, sendo facilmente moldados aos quereres - indiretos e obscuros - da nossa direita. Agora, todo cuidado é pouco: vamos nos inflar menos e raciocinar mais. Não acredito que todo político é corrupto, assim como acredito que todo homem é um ser político, ele faz política em qualquer circunstância. Não gostaria que a minha geração se inflasse de orgulho apoiando o voto nulo, ou o voto em branco por simples birra. Isso não é birra, é burrice! A política deve acontecer sim, e não é pedindo impeachment que vamos resolver alguma coisa. Temos que pensar nas consequências dos nossos quereres. 

Conseguiram transformar essa manifestação em um grande vazio, com ideias vagas sobre todos os assuntos, e o que o MPL quer mesmo, ninguém mais discute. Se todo mundo que gritar, então agora, gritemos pelo que está em pauta: a revogação do aumento. Depois, gritemos pelas nossas angústias específicas. 

Eu iria hoje gritar pela minha bandeira: "Cultura também é Educação", mas acho que só atrapalharia com mais um tema. Se vou perder a chance de gritar por isso? Nunca! Não é a toa que dou aulas de teatro, não é a toa que sou atriz. Esta sempre foi, e sempre será a minha bandeira. 

Hoje agradeço aos meus pais Pedro Gimene e Cristina Gimene, que desde que eu me conheço por gente me educaram que política é coisa séria e que existe sim gente querendo fazer o bem. Me ensinaram a ter vontades me contando das greves que faziam, dos movimentos que participaram e da favela que ajudaram a urbanizar (é só passar pelo Andorina). Muito obrigada pais que acreditaram em mim como um ser-humano que sabe que não está aqui a toa, desde sempre eu tenho essa consciência. 

Agora, peço aos filhos que quando ouvem seus pais dizerem que "política é uma merda" e que "nada que a gente pede acontece" o façam olhar para a janela, e perceber que o mundo é muito mais "que a porra do seu todynho gelado". Os pais DEVEM conscientizar os filhos na política, vamos acabar com esse discurso, é isso o que estraga o país, não os nordestinos do Bolsa Família.

Jovens, agora mais do que nunca é preciso LER e ENTENDER política, não será mais aceito qualquer argumento baseado em preconceitos, o negócio ficou sério porque nós quisemos que ficasse sério, agora tem que saber o que falar e como pedir. Se eu acho que o MPL sabe o que está dizendo? Acho que não, e eles mesmo admitiram ontem ao vivo "não temos a obrigação de ver como a prefeitura faria o passe-livre", mentira! Mas, que o que está acontecendo é muito legal de ver, é. Só não pode ser só isso. 

quinta-feira, 6 de junho de 2013

O BALLET DO HOMEM MODERNO

Faço ballet há 2 meses pela primeira vez na minha vida. Quando era pequena preferia a capoeira, embora nunca tenha feito. Achava mais legal por causa da música. Minha irmã, Luiza Gimene, faz ballet desde os 15 anos, hoje, com 20, já é formada. Quem conhece ballet sabe que é uma dança muito difícil, muito perfeccionista, então podemos concluir que ela se deu muito bem na dança. Só a gente conclui, ela não.

O ballet, ao meu ver, é a dança que mais estimula a competitividade entre as suas bailarinas. Como é uma dança muito difícil, cada aula é um aprendizado corporal e psicológico que a bailarina, se souber apreender tudo o que aprende, poderá atingir um auto-conhecimento e auto-controle muito bom! Se não, vai cair na mania-mor de quase todos os alunos: observar o outro para se engrandecer nele. Alguma comparação com a vida que a gente leva?

Nesta dança, tudo tem que estar duro e posicionado (sem piadas de duplo sentido, por favor!). Quadril encaixado com a coluna, abdômen contraído, perna firme e reta (sem dobrar o joelho!), pés e pernas apontados para fora, parecendo um patinho, braços firmes e duros. Rosto? Sorrindo. É tudo muito difícil e muita informação para um ser-humano. Aprender a controlar seu equilíbrio, sua força, e ainda passar a ideia de que está tudo bem, tranquilo, é algo que demora às vezes, anos!

Ontem, pensando e conversando sobre a vida com a minha colega do ballet Vivianne Mendes, fiz (mentalmente) um paralelo do ballet com o mundo em que vivemos hoje: devemos nos manter firmes, seguros, fazendo e pensando em mil coisas ao mesmo tempo, mas, em hipótese alguma devemos transparecer que estamos sofrendo. Sorria!

A necessidade de se mostrar feliz pros outros nos leva a procurar mil coisas para fazer na tentativa de achar aquilo que a gente acha que realmente vai nos completar, como pessoa ou conhecimento. Mas, sempre que avaliamos nosso grau de satisfação, por incrível que pareça, ele está baixo. E logo pensando em outra coisa que desejamos fazer e ainda não fizemos por falta de grana, ou de tempo mesmo.

Engraçado que a opção de parar para se ouvir, se conhecer, pensar, é sempre a última, porque consideramos um corpo parado inativo, devemos sempre estar em movimento, sempre prontos para o que a vida vem nos trazer, afinal, quem sabe se nessa nova atividade a minha vida não muda?

Em conversa com Vivian Ragazzi, aqui do meu trabalho mesmo, chegamos à conclusão de que o homem é movido pelo pensamento que os outros tem -ou podem ter- dele. O que o outro vai pensar de você é mais importante do que você pensa de você mesmo. A opinião do outro sobre a sua pessoa muitas vezes o faz agir como essa pessoa espera que você aja!

Não que eu ache isso extremamente ruim, afinal, a necessidade de provar para os outros que você pode mais é que levou o homem a estar onde ele está agora.

O desejo de "ser" é o que mais move o homem, só não pode ser maior que ele mesmo. E você, gostou do que eu escrevi?

quarta-feira, 29 de maio de 2013

"O IMPORTANTE NA EMOÇÃO É O SEU SIGNIFICADO"

Porque nós achamos que alguém muito passional chega a ser desequilibrado em certos momentos? Simplesmente porque a pessoa não chegou na parte de racionalizar os fatos e tudo o que sentiu, tudo acaba saindo explosivo e desnorteado. Assim eu vejo a arte. Estava vendo alguns videos de dança na internet e cheguei à uma conclusão: é muito fácil ser brega. Se o criador não tomar cuidado, o que ele faz pode ficar totalmente piegas.

Acredito que o artista tem um lado emocional/sensitivo muito forte, se não, não se expressaria pela arte, mas sim por outra forma. Mas, é muito perigoso se deixar levar totalmente pela emoção quando se planeja uma obra de arte. Ontem, lendo o livro " Para Atores e Não Atores" do Augusto Boal, cheguei à essa conclusão:  o artista PRECISA ter seu lado racional sob controle. Ou seja, razão e emoção devem andar lado a lado, devemos sentir e racionalizar a sensação para podermos explicá-la, afinal, a arte comunica.

"O importante na emoção é o seu significado", é isso Boal! Uma emoção sozinha é muito vaga, muito superficial, a emoção deve vir com um significado, deve vir com uma racionalização. No palco, por exemplo, um ator que é "só emoção" se torna perigosíssimo para os colegas de palco e para ele mesmo (vide exemplo do ator que fazia Otelo de Shakespeare que quase matava a Desdêmona em praticamente todas as sessões). O artista DEVE ter um distanciamento coerente da sua obra porque se não tiver, aquilo vira um balde cheio de emoção sem nenhum conteúdo ou informação. Não digo informação do estilo jornalismo, mas no sentido de inteligível, de compreensível.

Acho que deveríamos pensar assim: o que eu quero dizer sobre isso? Em que isso me toca? Para quem eu quero falar? Eu sei que me parece um pouco radialista demais, principalmente a parte do público alvo, mas tudo aquilo que se comunica deve ser bem estudado para não ser cometido nenhum equívoco. Pense sempre que a partir de um momento que a pessoa se abre para ouvir ou ver uma obra, ela liga uma parte sensorial do seu cérebro, que também passa pelo racional. Ou seja, a pessoa vai tirar uma conclusão daquilo que ela viu, queira ou não queira. Assim deve agir o artista do momento de criação: sentir, pensar e agir. Ser racional não é ser frio, é saber analisar.


terça-feira, 21 de maio de 2013

DA RISADA AO BATUQUE

Nessas 2 semanas assisti 2 espetáculos bem diferentes, cada um maravilhoso em sua linguagem: "A Noite dos Palhaços Mudos", com o grupo Lá Mínima, e "Humus", com a Cia Antônio Nóbrega de Dança.

Vamos começar com o espetáculo assistido há mais tempo. Não me lembro na minha infância de ter ido ao circo, não tenho na memória a lembrança do palhaço, por isso sua figura sempre me foi muito distante. Aos 22 anos, pela primeira vez fui apresentada ao universo. Não fui ao circo, é verdade, estava no Sesc Ipiranga (que sopa deliciosa), em uma semana onde o circo estava sendo homenageado. Mas ver o palhaço, aquele palhaço que me lembrou Charlie Chaplin: bobo, inocente, criança, me fez muito bem!

A peça é maravilhosa: começa com um homem que rouba o nariz de um palhaço simplesmente porque quer acabar com a raça dos palhaços mudos. Este palhaço, juntamente com seu amigo, vão até a mansão do ladrão para recuperar a identidade. Todos sabem que o palhaço não é palhaço sem o seu nariz, e que o nariz de palhaço é muito mais do que um simples nariz, é o palhaço completo.

A sensação é de que eu estava assistindo a uma brincadeira de criança bem ensaiada! O palhaço nunca diz "não", aceita tudo aquilo que você propõe como verdadeiro, e isso no teatro é brilhante! Não vou me esquecer nunca de uma cena feita com dedinhos e um carrinho de brinquedo. Nessas horas nós percebemos o quanto às vezes somos atores chatos e cabeçudos. Uma cena pode ser feita de tantas formas, de tantos jeitos, e aquele era um jeito tão simples que me senti uma estúpida! Em apenas 1h me diverti e embarquei no mundo que eles propuseram. E tem mais: assistir uma sessão com crianças é delicioso! Riem, choram e acreditam em tudo! Pra mim, teatro é isso: pureza, em todos os sentidos, até nos mais sórdidos!

Bom, o segundo foi um espetáculo de uma síntese da pesquisa de Antônio Nóbrega na dança brasileira, com o nome "Humus" no Auditório do Ibirapuera. Pra começar, nem acredito que consegui assistir, porque eu e Rodrigo Inamos chegamos 30 minutos atrasados! Perdemos o começo, mas chegamos no solo da minha amiga Priscila Paciência, que estava dançando Maracatu Rural em uma música que pegou, não dava pra parar de ouvir, mesmo sem a música!

Teaser do Espetáculo Humus

Tudo o que os bailarinos fizeram parecia muito fácil -taí a eficiência- tirando a parte do frevo, que eu sabia que se tentasse dançar alguma coisa, não sairia do chão por falta de força. Diferentemente do espetáculo "Pó de Nuvens" que me trouxe tranquilidade, este espetáculo me deu energia, acredito que seja por conta da nossa dança de batuques, onde a explosão é necessária.

Definitivamente, eu adoro a dança brasileira! Me deu vontade de ir dançar no palco, mesmo sabendo que eu ia passar vergonha. Nossa cultura é rica em ritmos, passos, é uma cultura mestiça da culinária até a genética.

Realmente Antônio Nóbrega é um ótimo pesquisador, ator, músico, bailarino, coreógrafo, cenógrafo, psicólogo, médico e gari. Um espetáculo que não deu vontade de ir embora, só espero que tenham mais um reapresenta pra eu ver o começo!!  

Essas experiências artísticas (boas) me fazem ter orgulho de tentar pertencer à classe. Me dão vontade de continuar seguindo, pesquisando e experimentando novas linguagens, novos meios. O que aprendi? Tudo é linguagem, tudo é referência, tudo é arte!

sexta-feira, 5 de abril de 2013

SOMOS TODOS LOUCOS!!

Nesta terça-feira, dia 02/04/2013, fiz uma experiência: dei uma aula de teatro/corpo para alunos de uma academia de ginástica. A minha tentativa é de trazer o universo do teatro para a realidade da academia. Como? Exercícios corporais juntados com interpretações e visões criativas sobre as coisas da vida.

Pra variar, estavam todos os 5 ou 6 alunos (esqueci de contar) bem tímidos. Alguns faziam os exercícios numa boa, outros se perguntavam o porque estavam ali. Ninguém se recusou a fazer nada, apenas fazia com vergonha; e olha que eu não coloquei nada que considerasse "pagação de mico": caminhando pelo espaço, partituras corporais, dança dos elementos, exercício das fotos, improvisação sobre um espaço... Mas mesmo assim os senti acanhados e faziam tudo rindo e não acreditando no que o colega estava fazendo.

Depois dessa aula parei para perceber a grande diferença entre dar aulas para crianças e adultos: as crianças não estão ligando para seus papéis sociais, para o que os outros vão pensar dela se agir desta ou daquela forma, fazem e pronto! Já o adulto, cheio de regras e funções, acha todo esse universo da imaginação, criação e brincadeira uma vergonha. Até perceberem que eles, naquele espaço, estão permitidos a fazer o que bem entendem se vão algumas aulas.

Engraçado... passando por algumas situações que a gente passa no trabalho penso que loucos somos nós. Porque não um pouco de loucura na nossa vida cotidiana? A quem queremos agradar? Porque devemos fingir tanto estarmos contentes, estarmos satisfeitos? Não é mais correto falar a verdade? Correto é, mas é muito mais difícil, porque nem todo mundo concorda com alguém muito sincero.

Então quer dizer, temos que fingir! Fingir que existe muita justiça no mundo, fingir que tudo isso é muito normal. Ou seja, somos atores! HÁ! Então, meus amigos, porque não nos permitimos soltar o verbo? Porque não nos permitimos expressar o que queremos? A arte é uma bela válvula de escape, a arte nos ouve, e através dela somos ouvidos pelo mundo. Se não falarmos, enlouquecemos, e cada um tem seu meio de enlouquecer: depressão, dor de estômago, estresse, consumo, mau-caratismo. Vejo todas essas reações humanas como válvula de escape. Porque então não fazemos algo mais saudável? Não precisa ser propriamente teatro, mas precisa ser algo onde você se sinta ouvido.

Admita: por dentro, SOMOS TODOS LOUCOS!!

segunda-feira, 18 de março de 2013

SIMPLES E BONITO

Ontem, finalmente, vi um espetáculo que me fizesse subir as paredes! Há tempos não me sentia assim, com a cabeça livre, pensando no que vi, e tomando como referência para várias cenas que desejo fazer. O espetáculo de dança "Pó de Nuvens" do Grupo de Dança Primeiro Ato, mistura dança contemporânea e teatro. Os dançarinos tem muita expressão corporal, e mostram uma leveza que até parece muito fácil fazer qualquer coisa que eles fizeram.

O que me chamou atenção para assistir, além da dança, foi a homenagem à dois mineiros: João Guimarães Rosa - autor de Sagarana e muitos outros - e Milton Nascimento, um dos meus cantores preferidos. Quando você lê uma sinopse dessas, imagina mil coisas: poesias, danças baseadas nas histórias, músicas... Na realidade, o que eu vi, foi mais uma homenagem carinhosa aos dois mineiros do que propriamente uma mostra de suas obras: o diálogo feito somente com cidades mineiras "Caldas, caldas....", o sotaque mineiro, as vacas, o clima de fazenda... Me senti feliz. Aliás, não só eu! Todo o elenco parecia estar satisfeitíssimo com o espetáculo. Sorriam livremente, sem aquela obrigação do "cadê o sorriso?!". Muitas vezes vi uma dançarina com os olhos fechados, simplesmente curtindo e sentindo tudo aquilo que estava acontecendo.

Outra coisa que me pegou neste espetáculo foi a nossa mania de querer entender todas as mensagens. Às vezes, em uma espetáculo, entender é simplesmente SENTIR. Não precisamos racionalizar tudo, principalmente um espetáculo que não tem quase nada de diálogo. As sensações que me traziam me fizeram ficar assistindo aquilo o dia inteiro, e ali eu entendi que se tratava de uma homenagem carinhosa.

Ficava orgulhosa quando via exercícios de teatro no meio daquela dança toda: o famoso exercício das fotos,  o exercício de escrever com uma parte do corpo, coro... Isso é mais uma prova de que tudo isso junto se torna uma coisa só, a arte.

Saí de lá feliz, e com vontade de assistir mais espetáculos assim: produção simples, sem grandes acontecimentos, dramas, mas bonito.
Foto de Guto Muniz







quarta-feira, 6 de março de 2013

5 MESES EM POUCAS LINHAS

Fiquei muito tempo sem passar por aqui, muito tempo mesmo! Mil coisas aconteceram, uma seguida da outra, e como as atrizes falam "Estou estudando novas propostas, novos projetos...". Desde Outubro tenho sempre alguma coisa nova pra me preocupar: edição do TCC, apresentação de final de ano das minhas alunas, coreografia de uma ala da Mocidade Alegre, formatura... Agora que eu dei uma respirada!

Oficialmente sou "Atriz e Radialista" -a ordem vem pelo primeiro DRT- como a maioria das pessoas, tenho uma vida dupla: sou Assistente de Produção e atriz. Até fevereiro tinha uma vida tripla, como Assistente de Produção, Atriz, e coreógrafa! Pois é, a gente nem percebe e a vida nos dá mil e uma oportunidades, e ansiosa que sou, só percebo que elas vieram depois que passaram. Mas estou aprendendo a lidar com ela, e começando a reconhecer as minhas conquistas (isso é muito importante!).

Enfim, não sei nem por onde começar! Vamos pelo começo: depois de noites mal-dormidas, TCC foi entregue, e consegui me voltar somente para a apresentação das minhas alunas no Studio Eudóxio Júnior. E ainda bem que o TCC já tinha "passado"; não é que mudaram a proposta da apresentação 2 semanas antes do espetáculo?! Pois é, nesse final de ano descobri que sou, realmente, uma mente criativa. A exatas 2 semanas antes da apresentação final, o dono da escola assistiu ao primeiro passadão (quem é ator sabe que o primeiro passadão é onde todo mundo vê a peça inteira, e as mudanças acontecem), e disse que não era nada daquilo o que ele esperava. Estranho, pois fui chamada para fazer um trabalho mais corporal com as meninas, mas, como não queria manchar o meu nome na minha primeira direção, mudei praticamente tudo! Coloquei falas (que praticamente não existiam), cortei cenas, mudei posição, menina! Foi um corre! Pensa em 20 meninas entre 9 e 14 anos juntas! Bagunça.... Só consegui fazer 1 passadão no palco, e respirei fundo, joguei pro universo, e seja o que Deus quiser (seríamos o primeiro número). E não é que deu mega certo?! Graças às minhas aulas de roteiro, de edição de rádio, de teatro, e a terapia, respirei fundo, confiei nelas e em mim (eu na mesa de som, e elas no palco), e te juro, deu 100% certo! Papai e mamãe elogiaram, público riu onde tinha que rir, e eu senti qual é a sensação de dirigir uma peça: na hora, não há nada a fazer!

Passando a apresentação, só elogios, e percebi que nasci para criação, porque logo depois, o carnavalesco Sidnei França, da Mocidade Alegre (só pra constar, bi-campeã do carnaval de SP) me chamou para coreografar uma Ala Cênica na escola, eu, que não tenho experiência nenhuma com dança, só sei dançar porque por algum motivo nasci com ritmo. Na realidade, ele queria uma coreografia básica, com algo mais teatral, para mostrar que a GULA não é tão ruim assim. Quando me mostraram a fantasia, fiquei pensando "tô ferrada, o cup-cake é gigante! Como eu começo?", mas logo depois, Sidnei me diz que criou a fantasia se baseando em um dos figurinos de "Priscila, a rainha do Deserto". Ponto "pánóis"! Naquela mesmíssima hora descobri como eu deveria fazer, que linguagem usar, pra que lado levar: escrachado, cômico, musical, kitch... Assisti os musicais mais próximos, filmes de culinária, comédia dell'arte, e criei uma historinha que serviria de base pra coreografia. Que ator não vive de histórias?! Com essa experiência, comprovei que "Teatro É Jogo" mesmo! Eu e Rodrigo Inamos criamos diversas cenas ouvindo o samba e nos divertindo! Ou seja, estávamos dentro do jogo, da brincadeira, e conseguimos criar coisas muito legais. Depois, Priscila Paciência (esta sim é bailarina/dançarina) me ajudou com a parte dançante, tirando e colocando coisas para facilitar a coreografia. Mesmo com algumas dificuldades, deu tudo certo, e nosso trabalho foi reconhecido!

Infelizmente nem tudo são flores: não continuarei na escola, pois o dono acredita que é melhor abrir o curso de teatro somente no segundo semestre, já para a apresentação final. Fiquei chateada, mas não com raiva. Quem não conhece teatro não percebe que é o mesmo esquema que a dança: teatro também enferruja, não é possível parar de fazer teatro por um tempo e querer voltar 100%, é a mesma coisa! Agora, estou tentando acalmar a minha ansiedade pra não tentar começar um novo curso, acredito que nada é por acaso, e que talvez agora seja o momento de parar e estudar, pra depois sim, juntar um grupo de pessoas interessadas e poder falar: "venha fazer aula com Beatriz Gimene!". Engraçado, toda vez que eu penso que esta é a melhor atitude a ser feita, eu logo penso onde eu posso dar aulas agora...

Ala Gula 
Enfim, tentando respeitar o tempo, fazer uma pausa dramática pra voltar bem, sem pressa, porque tudo feito na correria pode ser mal-feito. Meus planos agora? Fazer aula de ballet até o 2o semestre, e depois dança contemporânea. Se a grana deixar, minha paixão, dança-afro, o ano inteiro. Teatro é paixão, mas também é respeito.