quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Do ponto em que conheci o outro... e vice versa.

Garcin – (Não cessou de bater na porta): Quero sofrer de verdade! Prefiro cem dentadas, prefiro a chibata a esse sofrimento cerebral, esse fantasma de sofrimento, que roça, que acaricia, e que nunca dói o bastante. 

E este foi o nosso tema dos meses de Outubro e Novembro "Eu e o Outro". Qual a relação que temos? De que isso importa?... Pra ser sincera, antes de estudar um pouco sobre isso não achava que era lá "grandes coisas", foi só eu entender do que exatamente se tratava a frase do Jean Paul Sartre "O inferno são os outros" que eu entendi. A relação entre duas pessoas é realmente difícil; e não digo aqui somente a relação amorosa ou amigável, mas principalmente aquela do primeiro contato. Essa sim é a mais difícil! 

Bom, falemos da montagem: diríamos que foram 2 meses bem complicados: novos empregos, ENEM, espera... irônico dizer que tivemos de esperar logo depois em que o tema foi "Tempo". Esperamos! Dois meses para fazer a aula aberta, um mês para sabermos exatamente o que fazer, quase dois meses para sabermos COMO fazer. E nada foi à toa! Tudo teve seu significado: paciência na espera, certeza no significado, confiança nos outros. Quer mais que isso para fazer o tema "Eu e o Outro" ter real significado? 

Escolhemos fazer uma releitura da peça "Entre Quatro Paredes" por ser justamente a peça que mais cita a dor das relações humanas (pelo menos no nosso entendimento). Trabalhamos nela a relação do olhar, do toque e da arte. Metalinguagem. O teatro falando do próprio teatro, da sua relação com a vida. "A arte deve imitar a vida", "Discordo". E assim terminamos a peça. 


O que mais me chamou a atenção deste tema foi o fato de perceber que não existe ninguém autêntico neste mundo. Copiamos estilos, "arquétipos" que achamos convenientes para nós. Somos sim diferentes, ninguém tem exatamente a mesma opinião ou age da mesma maneira que outro, mas... temos a opinião que nos convém de acordo com o que acreditamos, e alguém "borda" esta opinião. 

Também comecei a me perdoar por saber que existem várias "Beatrizes": aquela que é mais quieta, a que é mais avoada, a que é engraçada, a que é brava... todas elas fazem parte de uma Beatriz que achou adequado ser daquele jeito em determinado lugar com determinadas pessoas. Por quê? Porque a relação dela com aquelas pessoas "definiu" que ela seria daquele jeito. 

"Inês– Agora vai pagar caro. Você é um covarde, Garcin, porque eu quero que você seja um covarde. Eu quero, compreende? Eu quero! No entanto, veja que fraquinha eu sou: um sopro. Sou apenas o olhar que está vendo você."  



 Agora... quem defini isto? O olhar que as pessoas tiveram sobre mim e eu "aceitei", ou o olhar que eu tive das pessoas sobre mim? Acredito que a relação (outra vez) dos dois. Pelo que percebo existe um acordo invisível entre as pessoas logo quando se encontram pela primeira vez. Cada uma ali vai fazer um papel perante a outra, e disso surge a relação. O meu olhar muda o olhar do outro e vice versa. E o outro se molda - e me molda- de acordo com esse olhar. Confuso pra caramba...Como as relações humanas!  

Estelle – Está bem, mesmo? Como é desagradável não poder julgar-me por mim mesma. 

O tal de Papel Social também define como as pessoas agirão em determinado ambiente: cada um tem o seu em cada lugar, e este "pacto" é invisível e moldado de acordo com as relações determinadas. Vai você tentar mudar seu papel social em um meio! Tudo vira de ponta cabeça, é como uma máquina: um muda, todos mudam! 

Garcin – É inútil. Aqui, as lágrimas não correm. Inês, eles emaranharam todo o fio. Se você fizer o menor gesto, se erguer as mãos para se abanar, Estelle e eu sentiremos o abalo. Nenhum de nós pode se salvar sozinho. Temos de nos perder juntos, ou nos desembaraçar juntos. Escolha. 


Nossos convidados foram especialíssimos: Deise de Amorim Paz, psiquiatra psicodramatista; Adriana Dellagiustina, psicóloga psicodramatista! Sem contar com o sempre presente William Vasconcelos, músico e filósofo. 

Psicodrama é a relação do teatro com a psicologia. Usar a linguagem artística como terapia, grupal ou individual. Tudo aquilo que você faz em cena tem um significado para você "O que você está sentindo ao fazer isso?", "o que você está pensando neste momento?", são perguntas que as psicodramatistas faziam sempre! Porque a arte pode ser mais reveladora do que nós pensamos.

Fazer uma aula de psicodrama foi como voltar a fazer teatro, olhar para aqueles que chamo de alunos como aluna também.;minha relação com eles mudou naquele momento! 

É muito bom perceber que o teatro é uma ferramenta de descoberta e de libertação. Tem coisas que só a arte tem o poder de revelar, nem só palavras ou gestos, mas o conjunto deles, como arte! Saí da nossa relação feliz por ver que dá certo. A relação: roda de conversas/teatro é poderosa! E você, quando irá se relacionar conosco? 



terça-feira, 5 de novembro de 2013

A Hora de Acordar

E de repente Júlia acordou. De um sono leve, levantou porque não havia mais razão de continuar dormindo. Foi descalça até o banheiro, tomou um banho para despertar, e quando se olhou no espelho não se reconheceu. Apagou e ascendeu as luzes. Continuou vendo aquele pessoa estranha no reflexo. Saiu do banheiro e voltou. De novo?! Apagou as luzes e saiu do banheiro. Nada. O problema deve ser do espelho... foi para o quarto. No quarto foi pior. Viu que não só o seu rosto tinha mudado, como seu corpo também havia. Entrou em desespero e saiu correndo, de pijamas mesmo! 

Na rua, tudo estava diferente. "Mas o que está acontecendo?! As coisas não eram assim!". Além dela, o mundo havia mudado. As coisas não eram mais vistas como antes. A rua estava mais silenciosa e cinza. As pessoas estavam com um rosto mais cansado. Ficou com medo. Resolveu voltar para casa. 

Olhando ao seu redor reconhecia todas as coisas: a mesa, a cozinha, seu quarto, seu próprio banheiro! Mas tinha alguma coisa de diferente... será que precisava usar óculos? Júlia ainda tinha algum tempo antes de ir trabalhar e sentou em seu sofá.

Passadas duas horas lembrando do que havia acontecido, decidiu tomar uma decisão: "Muito perigoso sair de casa com as coisas assim. Vou esperar que tudo volte ao normal, ou que tudo se esclareça.". Júlia não era nem muito nova e nem muito velha, cursou a faculdade, tinha um emprego, vida normal! Ligou para seu trabalho e disse que tinha alguns problemas para resolver, não batia cartão, então não houve problema. 

Como ninguém chegava, resolveu olhar pela janela para ver o mundo. Ligou a TV, o rádio, mas nada lhe respondia o que ela mais queria: "O que aconteceu com o mundo?!". Desistiu de novo. Ensaiou ler um livro. Na verdade ela só folheava as páginas, porque lendo ela não estava. Então, em um ato de coragem, colocou sua roupa e foi sair para a rua. Enquanto caminhava, percebia que as coisas estavam do jeito que sempre estiveram: seu bairro, os ônibus, a cidade, as pessoas... ela percebeu que o que havia mudado era a forma que ela enxergava tudo ao seu redor. Quando percebeu isso, sentiu uma dor, uma angústia enorme e teve vontade de chorar. Queria contar para alguém, desabafar, perguntar se era assim mesmo, mas com quem ela iria falar? Seus pais estavam no trabalho, ela era filha única, não tinha namorado, suas amigas, bom... tinha medo de ser exposta ao ridículo. Resolveu tentar entender por si só o que estava acontecendo e o que fazer com tanta angústia. 

Andando pela cidade algumas coisas a agradavam e outras não. Percebeu coisas que nunca tinha visto e simpatizou por outras que antes ela detestava. Júlia entendeu. A angústia tinha passado, bem pouco, mas já estava mais tranquila ao saber do que se tratava. 

Voltou para casa e encontrou com sua avó. Esta, que sempre parecia distante desta vez pareceu mais próxima do que nunca: abriu um sorriso e disse "É assim mesmo, com o tempo vai melhorando, mas não é o fim do mundo. Seja bem-vinda!". Júlia não sabia dizer se estava feliz ou se estava triste. Preocupada, isso sim ela estava! "Porque precisa ser assim?". Júlia voltou a dormir e não sonhou, foi um dos sonos mais pesados que teve, quase não acorda! "E se eu não acordar nunca?!". Levantou em um pulo. Foi ao banheiro, tomou seu banho e se viu no espelho. Dessa vez não se assustou, até gostou do que viu; fechou os olhos e fez uma promessa. Se arrumou e saiu para o trabalho, mas não esqueceu da sensação anterior, e nem da sua promessa!

Percebeu que essas coisas eram assim mesmo: assustam, mas passam. Ia doer, e não ia ser só uma vez, várias vezes! Nossa, quanta dor Júlia teve! E em todas as dores e angústias que Júlia sentiu, ela se lembrava da promessa que havia feito naquela época "Nunca perca o brilho nos olhos". Júlia dormiu, sonhou e acordou. Foi até o banheiro, tomou sua ducha e olhou no espelho. Seus olhos ainda brilhavam!